Inquietações

Não escrevo no blog desde 2010. Sentia falta de escrever, mas não sabia sobre o quê. Meu querido Cassiano, numa tarde de papo e café, me disse que eu não deveria me preocupar porque voltaria a escrever quando achasse que algo valia a pena. Acho que ele tem razão, embora o assunto que me traga de novo ao teclado não seja dos mais positivos e muito menos alvissareiros.

Ultimamente tenho vivido momentos da mais pura perplexidade quando leio e escuto muitas coisas por aí. Amanhã completaremos 50 anos do Golpe Militar que colocou o Brasil no mapa das ditaduras da América do Sul. Ainda não acertamos nossas contas com a história, ainda não sabemos o que houve com muitas pessoas que desapareceram, cujas famílias não puderam sequer enterrar seus corpos. Muita gente foi presa, torturada e morta sem sequer ter pegado em armas. A Comissão da Verdade está instituída e ainda há muito por fazer -ainda assim, ouço gente falar que essa comissão está sendo usada para os militantes daquela época "se vingarem". Ledo engano. Justiça e vingança são coisas muito diferentes, e todo país precisa acertar as contas com seu passado obscuro. Todo país carrega uma página de vergonha em seu passado, mas que não pode ser esquecida ou apagada.

Leio sobre um perigo de "revolução comunista" e das tentativas de se reeditar a Marcha  da Família com Deus e pela Liberdade em pleno ano de 2014, e não deixo de me lembrar do primeiro parágrafo do livro O 18 Brumário, em que Karl Marx afirmou que "Hegel observa (...) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." (grifo meu). Tudo soa, para mim, como uma grande farsa.

Leio nos jornais que em alguns lugares do Brasil pessoas estão aplicando justiça com suas próprias mãos - o que, a meu ver, chama-se vingança -, e que há setores da sociedade e da mídia aplaudindo em pé o fato de amarrarem alguém num poste. Não estou discutindo se o sujeito é ladrão ou não, a questão é que não se lida dessa forma com ninguém. Existe uma constituição acima de todos nós e, mesmo que a segurança no país seja um problema crônico, especialmente em grandes cidades, nada dá a ninguém o direito de aplicar suas próprias regras sobre outras pessoas.

O IPEA divulgou na semana passada dados de uma pesquisa que apontam que 65% dos entrevistados acreditam que a culpa pelos estupros é das mulheres. E o pior: MULHERES participaram da pesquisa. No mês de março tanto se falou do Dia Internacional das Mulheres, muita propaganda de cosmético e presentes foi veiculada em função da data, mas pouco se preocupou com a razão da existência dela. Não há perfume bom e presentes no mundo que possam  aplacar a dor de uma mulher violentada. A mesma sociedade brasileira que fomenta a sensualização é aquela de acredita que a culpa pela violência é da mulher.

A inquietude reside em dar de cara com discursos e posturas que são um retrocesso completo e absoluto. Somos uma democracia, com seus problemas, é claro, mas ainda assim somos um democracia. E isso tem um valor enorme. Talvez para aquelas pessoas que a receberam de mão beijadas, sem terem tido a necessidade de lutar por ela, não haja problema algum em aventar a possibilidade de uma ditadura para "colocar o país nos eixos" - afinal de contas, as pessoas não costumam dar muito valor para coisas que receberam de forma muito fácil. A coisa não é por aí. E se estudarem o regime militar, verão que várias questões estavam muito fora do eixo: a dívida externa imensa, a inflação descontrolada, o abismo social cada vez maior entre ricos e pobres. Claro que isso não aparecia na imprensa. Não era possível expor publicamente. Uma democracia funciona bem se temos uma sociedade que participa dela de fato, a começar por eleger pessoas de confiança. Ainda há políticos sérios,  e foi-se o tempo em que o princípio "rouba, mas faz" era aceito. Não é possível receber políticos com tapete vermelho de boas vindas fazendo de conta que não sabemos de seus podres. Não é mais possível fechar os olhos para o abuso de poder. Não é mais possível aceitar que uma sociedade ache que a culpa pela violência é da vítima que foi violentada - gostaria de ver o que pensa uma pessoa que faz parte dos 65% e tiver uma filha, uma esposa, uma irmã violentada. Será que ainda pensará da mesma forma? Será que verá sua filha, esposa, irmã como culpada pela violência vivida??


Comentários

Neusa Ming disse…
Parabéns pelo texto Denise, sobre a ditadura, nada no mundo justifica tantas mortes de pessoas brilhantes, inteligentes e que só queriam um Brasil melhor. Quanto aos estupros, terrível, ontem escrevi uma opinião sobre isso, o machismo feminino e as inversões estão pior do que nunca, nunca se matou ou violentou tanta mulher como agora, na Índia, uma mulher sozinha na rua está pedindo para morrer, é atacada em grupo até o fim e o povo acha normal. Está muito triste nosso mundo! bjs

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