Madame Bovary

Tenho acompanhado a programação do Cine Conhecimento, do Canal Futura. Antigamente acompanhava na TV Cultura as exibições da Mostra Internacional de Cinema, mas não sei se o programa saiu do ar ou se foi para algum horário desumano da grade de programação. Quando eu acompanhava a Mostra a programação estava sempre migrando de horário e sem aviso prévio.

Há duas semanas assisti no Futura ao filme Madame Bovary, com direção do francês Claude Chabrol e baseado na obra do fabuloso Gustave Flaubert. Plasticamente, achei o filme muito bonito e a reconstituição de época é brilhante. No entanto, achei que o viés dado à personalidade da sra. Bovary afastou-se do livro.

Quando li a obra pela primeira vez, senti que a insatisfação de Ema, nossa protagonista, vivia um crescendo e que, progressivamente, sua insatisfação aumentava. Na verdade, seu marido era só um detalhe, parte e não causa de sua insatisfação. Com a leitura da obra temos a impressão de que não interessava se Ema casaria com outras pessoas, ou se mudaria para outra cidade maior - como Rouen -: ela sempre estaria insatisfeita; ela sempre esperaria por Paris e por uma vida imaginária; ela sempre esperaria por uma Paris inexistente. É bem possível que quando ela chegasse a Paris, ainda assim não se sentiria satisfeita porque nada no mundo seria capaz de satisfazê-la. Nunca.

A montagem de Chabrol, tendo Isabelle Hupert como protagonista, dá uma abordagem diferente da personalidade de Ema - pelo menos dá a entender isso. Parece-me, pelo filme, que o marido da protagonista é o culpado de sua insatisfação; parece que sua falta de iniciativa é o mote para desencadear as ações e as decisões de Ema.

É claro que sei que ao se adaptar uma obra literária para o cinema são necessárias algumas escolhas, mas me pergunto o por quê dessa escolha de Chabrol. Tenho a impressão de que é como se ele quisesse justificar ao público o comportamento da sua personagem, como se fosse impossível existir alguém no mundo que é infeliz por natureza e, por isso, é preciso justificar a insatisfação de Ema com a falta de ambição de seu marido. A questão é que existem pessoas que são infelizes por natureza. E ponto.

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