"Sora, tu é feminista?"

A sala de aula é um lugar surpreendente. Não pelas agruras e por todos os problemas que atuar no magistério têm ocupado nossas mentes, têm no enchido de incertezas. A sala de aula é surpreendente porque nos permite, em momentos completamente inesperados, discutir com os alunos temas e questionamentos que são contemporâneos, que embora tenham sido retirado de muitos planos municipais ou estaduais de educação, têm ocupado a cabeça deles.

Há alguns dias, em meio a uma aula de história, um pouco antes de iniciar o assunto programado para o dia, um aluno lança a seguinte pergunta: "Sora, tu é feminista?".

Respondi com outra pergunta: vocês sabem o que é ser feminista? O tempo passou e a sensação causada pela pergunta pode ser descrita pela imagem abaixo



Um silêncio sepulcral tomou conta da turma. Ninguém sabia responder à questão. Ao invés de ficar discursando sobre o feminismo, achei que seria bom pararmos para pensar em questões sobre as quais pouco se discute na escola e os meninos pouco pensam. Respondi da seguinte forma:

- Sou feminista quando defendo que homens e mulheres devem receber a mesma remuneração quando executam o mesmo trabalho;
- Sou feminista quando defendo que desejo que minha filha possa andar sozinha na rua sem ter que pensar se é seguro ou não se manter na mesma calçada ao passar por um homem;
- Sou feminista quando defendo que termos xulos e grosserias ditas por homens como se fossem o equivalente a elogios não passam de grosserias e termos xulos;
- Sou feminista quando não aceito que a expressão "eu te estupraria" possa ser aceita como um elogio;
- Sou feminista quando defendo que quando a mulher diz não, isso realmente significa não. O contrário da crença infundada de que quando dizemos não, queremos dizer sim;
- Sou feminista quando defendo que tarefas domésticas devem ser realizadas por todos que moram na casa, e não apenas pelas mulheres, pois todos vivem e dividem o mesmo lugar. Ser mulher não é prerrogativa para carregar a casa e os serviços domésticos nas costas;
- Sou feminista quando defendo que a vítima de estupro é vítima, não culpada, pois nada justifica a violência (roupa, local, postura);
- Sou feminista quando defendo um mundo onde as meninas possam se sentir seguras num campus universitário sem precisar criar um app de botão de segurança quando se sentirem em situação de risco.

Talvez partir de temas do cotidiano, sob o ponto de vista de uma mulher, possa ter tido um efeito mais prático para os alunos do que um discurso feminista. Muitos deles têm irmãs, mas nunca pararam para se colocar no lugar delas e nem pensaram em como elas se sentiriam ao ouvirem as coisas que muitos deles falam para as meninas. Se foi o melhor caminho? Não sei. Acho que foi uma questão de oportunidade - e que, como se diz aqui no sul, "não de pode deixar um cavalo encilhado passar sem se montar". Montei. E a conversa com eles foi ótima. Não foi polêmica, não gerou brigas, contou com a fala de meninos e de meninas.

Até que veio a pergunta: "o que é machismo?"...  Mas este é um assunto que terá espaço em um outro post,

O fato é que, mesmo com as mazelas que atingem o megistério nos dias atuais (e a nossa preocupação com o futuro da profissão), a sala de aula nos permite vivenciar experiências únicas, como a discussão que se sucedeu após a pergunta de um aluno. Que lugar poderia propiciar um diálogo como esse?

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