Saudades de um avô que eu nunca conheci.

Com minha mãe e minhas tias a gente acaba encontrando imagens do passado da família, de uma época quando tirar fotografias não era corriqueiro como fazemos hoje: se nos dias contemporâneos fotografamos tudo de forma incessante, à época dos meus avós tirar um retrato era quase um evento. Por isso, cada imagem que traz seus rostos na juventude é muito preciosa para mim, especialmente quando o meu avô materno está nela. 


Esta aqui, por exemplo, eu adoro. Meus avós estão posando para um retrato acredito que num dia de domingo, tendo em vista as roupas que usavam. Gosto de pensar que foi um passeio que fizeram numa deliciosa tarde de domingo, talvez outonal, em que o sol aparece mas não agride: ele apenas ilumina.

Convivi muito proximamente com minha avó, que por 11 anos morou conosco quando seus problemas físicos e os riscos de queda não permitiam que continuasse a morar sozinha na casa que tinha em Campinas, no bairro do São Bernardo. Da casa me lembro dos canteiros logo na frente, cheios de margaridas floridas, e da minha prima Mariana e eu dançando Celly Campello e seu Banho de Lua com o vinil da novela Estúpido Cupido que o tio Renato tinha em seu quarto. Também me lembro que foi lá que vi na TV que a Elis Regina havia partido.

Com meu avô, convivi espiritualmente por todos esses anos, com fragmentos de quem ele foi, imaginando como seria estar com ele de forma próxima, utilizando expressões que minha mãe contou que ele utilizava. Não conheci meu avô: ele morreu muito cedo, quando minha mãe chegava aos seus 18 anos de idade e era a filha mais velha. Partiu deixando aqui uma viúva, cinco filhos e sem imaginar que teria um dia 15 netos.



Aqui estão meus avós com a escadinha de filhos: a mais velha e mais alta é a minha mãe; meu avô carrega em seu colo a caçula, tia Neusa. Não sei onde a foto foi tirada e nem por qual ocasião foi feito o registro, mas me alegra muito vê-la. Ver meus avós, ver minha mãe, minhas tias e meu tio crianças e perceber traços meus e de meus primos nesses rostos infantis.

Embora não tenha tido a menos chance de conhecer meu avô, sempre tive uma impressão muito forte de sua presença conosco. É como se eu sentisse saudades e falta de alguém que eu jamais conheci. Claramente eu não romantizo ou idealizo o meu avô achando que tudo o que ele fazia era certo, ou justo, ou bom: meu avô, como todo e qualquer ser humano, errava e acertava e, como escreveu Guimarães Rosa, no afinar e desafinar é que encontramos a beleza da vida.

Porém, é difícil não construir dele uma imagem simpática e querida. Vocês podem até me dizer que quando uma pessoa falece, só se ouvem coisas boas a respeito dele. Acredito nisso também: somente uma pessoa muito insensível ou sem noção falaria mal de um ente querido falecido de alguém. Mas eu acho que tenho uma resposta lógica para poder afirmar que o avô que sempre esteve dentro de mim é uma pessoa bacana. Para isso, tenho mais uma foto para dividir com vocês:


Esta foto traz ao centro a minha bisavó, Maria Bannwart Amgarten, ladeada por seus filhos por ocasião da celebração de seus 100 anos de vida. Nesta foto faltam dois de seus filhos: meu avô, Pio José, e sua irmã Dulce (que faleceu muito jovem). Foi entre eles que meus irmãos e eu passamos a nossa infância, pois todos os domingos íamos visitar "a vó da Estiva" - era assim que chamávamos nossa bisavó, que morava na Fazenda Estiva, pertinho do aeroporto de Viracopos. Aos domingos, meus tios-avós e seus filhos visitavam a fazenda, a tia Lucila organizava as "mesadas" de café da tarde e a gente se matava de brincar na terra, no jardim, no terreiro de café. Embora nossas tias-avós fossem mais contidas, entre os meus tios-avôs o deboche sempre correu solto (talvez seja daí que tenhamos herdado o lado debochado que faz com que meus irmãos e eu pensemos rápido e nossa mãe nos chame de marotos....).

Todos são agricultores, pessoas da lida do campo, mas também muito atenciosos e carinhosos. Não vão te encher de palavras açucaradas, mas vão fazer coisas por você que se gravam na memória para sempre. Quando meu padrinho faleceu eu deveria ter cerca de 8 anos e estava bem chateada. O tio Marcílio me pegou pela mão e me levou ao galpão para me mostrar os tratores, com uma história de um trator pequeno que era filho de tratores maiores da fazenda - ele me mostrou o trator pequeno e os supostos pais deles... A cada visita que a gente fazia, ele me contava como o tratorzinho estava evoluindo.

Tio Buba colocou a gente na caçamba da Saveiro e foi mostrar para nosso pai o pivô de irrigação enorme que havia sido instalado. Quando o braço de irrigação chegou para o lado do carro, ele parou bem embaixo e a criançada tomou um esguichada daquela máquina imensa. Tia Lucila enchia os nossos bolsos de bala e sempre dava um presente no nosso aniversário. O Zé, meu irmão, tem um estojo de lápis de cor de 24 cores guardado como tesouro até hoje, e que ele ganhou dela. Tio Perseu, enquanto havia café, sempre deixava pacotes para minha mãe trazer pra gente quando vinha para Gramado, ou quando eu os visito, sempre me leva ao galpão para me dar café para eu trazer para casa.
Tio Décio e tia Teresinha nos tinham em sua casa, do outro lado da ponte, quando meu pai trabalhava na Estiva e passávamos o dia na casa deles. Hoje minha mãe me disse que, se eu quisesse saber como era o meu avô, era só pensar no tio Décio porque os dois têm um jeito muito parecido.

Então eu acho que a sensação tão forte de saudade de um avô que eu nunca conheci existe porque eu o carrego através de meus tios-avós. Tio Décio não é de falar muito, mas quando fala é direto. As pessoas que conviveram com o meu avô diziam que ele também era assim. Ele também tinha um lado de deboche e isto aparece nos comentários que costumava lançar. E se meus tios-avós são da forma que os conheço, agem do seu jeitinho para cuidar da gente ou do seu jeitinho para mostrar seu afeto, então é muito provável que meu avô fosse assim também, ou próximo disso. E é por ter um pedacinho dele nos tios-avós com quem tive a sorte de conviver que guardo em mim essas sensações de ausência e de saudades tão grandes mesmo sem ter podido conhecê-lo.





Comentários

Mari disse…
Quanto carinho e verdades sobre nossa família, adoro suas lembranças e a maneira simples como vc as escreve. Te amo

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