Sobre música e a minha timidez.

Dias atrás eu estava ouvindo o Spotify quando começou a tocar algumas músicas do álbum The Wall, e essas músicas me levaram a viajar no tempo. Viajar no tempo com a música não é novidade, pois já falei mais de uma vez que minha vida tem trilha sonora, portanto dependendo da música vou me recordar de pessoas, situações ou fases da minha vida.

As pessoas que convivem comigo e me conhecem há muito tempo sabem que sou bastante tímida e reservada, embora outras possam achar que não é verdade. Acredito que melhorei muito entre a adolescência e os dias de hoje, embora reconheça que eu leve ainda um tempo para me tornar acessível, para confiar. Minha melhor amiga me disse uma vez que, quando me conheceu, eu parecia inatingível, inalcansável.

Confiança é uma palavra-chave bem importante na minha história. Ou melhor, a falta de confiança é uma palavra-chave. Para mim, sempre foi difícil acreditar que algo bom falado para mim ou sobre mim era de fato verdadeiro, pois nunca achei que poderia ser merecedora disso. Auto-estima sempre mandando aquele abraço, e bem de longe. Para mim, os elogios francos e sinceros não existiam, e as pessoas estavam sendo apenas simpáticas, então eu nunca soube bem lidar com isso, e talvez ainda hoje eu não tenha tanta certeza sobre isso: nunca acho que o que fiz ou escrevi é realmente bom e bacana.

Dito isso, volto à questão da timidez. Na adolescência e na vida de "jovem adulta" (encontrei esse termo numa livraria, onde havia indicações de leituras para jovens adultos...) eu fazia o possível para passar despercebida. Havia um colega mais velho na época da graduação que tecia elogios a mim, mas eu nunca imaginei que poderiam ser reais: eu sempre ria e respondia "me poupe" - para mim, naquela época, era como se fosse uma brincadeira, uma gracinha. Não acreditava que aquilo era sobre mim de verdade.

Se em meio aos conhecidos eu fazia de tudo para me preservar, imagine entre pessoas com as quais eu não tinha contato constante, embora fossem minhas velhas conhecidas. Um dia, no alto dos meus 14/15 anos, acompanhei minha mãe numa visita à uma tia dela em Indaiatuba. Enquanto as duas estavam envolvidas em conversas que se emendavam uma na outra. eu dei de cara com essa beleza aqui:


A beleza em questão era o álbum em vinil The Wall, do Pink Floyd. Nessa época quando não havia streaming e nem CD, a forma de copiarmos um disco era gravando em fita K7 - e era exatamente isso que eu desejava fazer. Então, pedi à minha mãe que perguntasse a seu primo se eu poderia levar o álbum emprestado, e Mamita respondeu de forma clara, objetiva e, digamos, encorajadora:

"Vai lá e pergunta pra ele se empresta o disco."

"Vai lá e pergunta pra ele se empresta o disco."... Não era o que eu esperava e, pior, era o que eu temia: chegar até uma pessoa conhecida, porém não íntima, e perguntar se ela me empresta algo. Eu não queria que minha mãe resolvesse coisas por mim, porque eu costumava resolver as minhas coisas, mas neste caso eu queria que ela intermediasse um pedido de alguém que ruborizava ao dar bom dia.

Dentre a ideia original de pedir o empréstimo, falar com a minha mãe e pedir o álbum devo ter levado cerca de três semanas. Foram  t r ê s  semanas juntando coragem para pedir um disco emprestado. O primo prontamente emprestou, levei para casa, gravei em fita e morri ouvindo. Acho que a fita nem sobreviveu de tantas vezes que a ouvi.

Eis que, então, um disco foi minha bengala para enfrentar a timidez crônica. Percebi que talvez a música pudesse ser uma estratégia que poderia me ajudar a enfrentar a timidez, e passei a me utilizar dela. Logo que entrei na faculdade, o empréstimo de discos pelos meus colegas foi, para mim, uma espécie de quebra-gelo - me ajudava a chegar nas pessoas, mas ainda não resolvia o que minha auto-estima me impedia: acreditar que eu poderia dar conta de ser uma boa estudante, de pensar que alguma pessoa bacana poderia se interessar por mim, que eu teria condições de seguir uma carreira acadêmica.

Apesar de eu ter descoberto uma estratégia para vencer a timidez inicial e me aproximar das pessoas, este álbum ao lado talvez tenha sido meu maior desafio. Eu não o pedi emprestado, mas pedi para um amigo gravar para mim. Nesse tempo, xóvens, isso demandava tempo e disposição da pessoa em gravar isso pra gente. Mas o maior desafio estava no fato de que eu tinha muito interesse no rapaz que era dono do álbum. Problema dobrado, ampliado e altamente paralisante. Aqui eu precisava de uma coragem diferente daquela de emprestar os álbuns dos colegas.

Mais uma vez, entre a ideia original e o exercício de juntar coragem e pedir pra ele se gravaria uma cópia do álbum para mim, vários dias se passaram. Perguntei, ele prontamente disse sim, entreguei duas fitas K7 e recebi de volta não apenas o álbum gravado, como músicas dos Beatles de outros álbuns ocupando os espaços que ainda restavam nas fitas. We are the champions, my friends! Aquelas fitas eram a materialização do enfrentamento da minha timidez e carregavam - vejam só! - um quê de audácia dessa mocinha tímida aqui.

Hoje é dia 1º de Janeiro, momento em que as pessoas estão planejando as metas para seu ano que se inicia. Ao invés disso, estou olhando para trás e vendo o quanto já caminhei, o quanto já sou mais segura para me aproximar de novas pessoas, o quanto ainda me sinto tímida. Hoje está sendo um dia de reconhecer o quanto daquela menina que pediu para emprestarem The Wall e gravarem o Álbum Branco ainda persiste na sua dificuldade de reconhecer que elogios podem ser sinceros e verdadeiros, e que pode fazer muitas coisas tendo em vista o que já enfrentou. 

Feliz 2024.

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