Até pra reclamar de professor rola um sexismo

Há alguns dias eu retirei de sala um estudante de 9º Ano. Um, não. Foram três. Não me prendo nos detalhes, porque a razão costuma ser a mesma: a postura muito inadequada em sala de aula. Eu não tenho o costume de retirar gente da minha sala, mas dependendo do tamanho do B.O. eu preciso mandar para as instâncias responsáveis por dar conta de resolver as bobagens que adolescentes fazem.

Eu não personalizo o problema: aconteceu, foi resolvido e vida que segue. Tem estudante que é gente boa pra caramba pra conversar, mas suas atitudes não são bacanas em sala de aula, e vida no chão de escola é assim.

Também faz parte do jogo a reclamação sobre os professores - a molecada faz umas patetices em sala de aula, mas o problema são os professores que o encaminham para a coordenação, por exemplo. A reclamação não me incomoda, e saber que o estudante saiu reclamando de mim portão afora da escola também não me incomoda. Quer saber o que me incomoda? O adjetivo que ele usou para se referir a mim ao contar o causo da sua saída de sala:

"Daí a Denise, aquela gorda (...)"

A palavra gorda tem ricocheteado na minha cabeça. Se ele me acha gorda ou não, não me interessa, mas chama a atenção que o adjetivo utilizado para me caracterizar tem relação com meu corpo - e meu corpo não tem relação com minhas ações em sala de aula.

O que quero dizer é o seguinte: por ter sido retirado de sala de aula, ele poderia ter atribuído a mim adjetivos relacionados ao meu lugar de professora, como

Denise, aquela chata

Denise, aquela mala

Denise, que não deixa a gente respirar.

Denise, que é exigente

Denise, que é um pé no saco

E poderia listar algumas possibilidades a mais, porém o que chama a atenção é o sexismo que aparece quando ele (e outros estudantes) reclamam de mim ou de outras colegas professoras. A razão atribuída às nossas decisões no manejo da turma, especialmente quando há estudantes que fazem o possível para desestabilizá-la, é descrita por:

  • Mal comida
  • Tomou chifre
  • Gorda
  • Louca
  • Histérica
  • Feia
  • Tá de TPM
Ou seja: nossas reações e ações não são compreendidas pelo que as motivaram, mas como resultado de uma questão biológica - portanto fora de nosso controle -, ou por problemas pessoais. Não me lembro de qualquer reclamação sobre professores do sexo masculino que fosse vinculada a questões estéticas, de relacionamento ou mesmo hormonais. Geralmente, os docentes meninos acabam sendo descritos como
  • Chatos 
  • Rigorosos
  • Malas
  • Brabos
De momento, não me recorde de qualquer adjetivo negativo para se referir aos meus colegas do sexo masculino que sejam relacionados a "distúrbios" físicos de caráter estético ou a desequilíbrios hormonais. Aliás, meus colegas não teriam o direito sequer de chorar, já que "chorar é coisa de menina...". Gente, o choro é livre.

A questão é que o elemento desqualificador da minha pessoa é estético, apenas. Nós, mulheres, temos duas únicas respostas para darem conta de quando perdemos as estribeiras: não nos adequamos aos padrões físicos vigentes ou não dominamos a nossa química corporal. Que argumentos eu poderia utilizar aqui para defender a minha pessoa? Nenhum - e na realidade, não faz diferença. A forma como ele se referiu a mim não me atinge da mesma forma que atingiria se fosse afirmado que sou incompetente, que minha formação é precária ou coisas do tipo. Se meu trabalho e minha qualificação fossem desqualificados eu realmente ficaria extremamente incomodada - e poderia considerar essas afirmações como caluniosas. Contra elas eu me levantaria com um grito na garganta.

Enquanto a nossa desqualificação está encerrada nas ideias ligadas às características atribuídas ao sexo feminino, não me incomodo pessoalmente, mas sei que tenho (ou melhor, temos) uma longa jornada de desconstrução da imagem que se tem da mulher, de suas atribuições e de seus lugares que acabam sempre sendo colocadas em oposição da imagem masculina:

De um lado estão os homens, caracterizados como: fortes, inventivos, assertivos, corajosos.
De outro estão as mulheres, caracterizadas como: frágeis, sonhadoras, grosseiras, metidas.

As mulheres precisam comprovar constantemente a sua competência e a sua aptidão para ocupar lugares de liderança atribuídos a homens pelo senso comum.

Vou tomar uma cerveja pensando nisso. Outro dia vi uma mulher que dá aulas de etiquetas falando que mulheres finas não bebem cerveja. Mulheres bebem o que elas quiserem, e não apenas o que a sociedade espera que consumam. Continuarei tomando a cerveja geladinha quando me aprouver. Finesse é não ficar julgando a vida alheia, mas respeitar aquelas e aqueles que não se condicionam ao formato estabelecido socialmente para eles.

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