Saudades de Joana

Gramado tem uma livraria que considero muito boa. Apesar de funcionar numa cidade de 30 mil habitantes, ela é melhor do que muitas livrarias de cidades maiores, que geralmente têm a oferecer apenas os bestsellers e obras de auto-ajuda. A Sucellus tem livros de arte, cinema, fotografia, vende revistas bacanas, bons filmes e variada literatura. Sempre que entro na livraria perco a noção da hora.

Recentemente os proprietários da livraria transferiram a loja para um espaço maior, onde temos mais facilidade para transitar e onde podem ser expostos mais livros. Mas uma das coisas que eles também fizeram foi abrir um café dentro da livraria. E é aí que Joana volta aos meus pensamentos...

A Joana era minha companheira inseperável dos tempos de colégio, especialmente no ensino médio. Muitas coisa que aprendi em termos de rock foi na casa e pelas mãos dela; muitas coisas que ela assistiu no cinema foi por minha causa. A troca era incrível e a cumplicidade também. Cinematograficamente e musicalmente experimentamos quase tudo, às vezes sem muito critério, digamos, racional. Foi assim que ouvimos, pela primeira vez, o disco da banda inglesa The Stone Roses. Adoramos a capa do vinil (sim, da época do vinil...) e achamos parecida com uma obra do Pollock, portanto partimos do pressuposto de que uma banda que optasse por uma capa de disco tão bacana não poderia ser uma banda ruim ou babaca. Nosso critério de escolha demonstrou-se bastante acertado. À Joana devo meu feliz encontro com a Madredeus, conjunto português, com Janis Joplin, com o Led, com o universo do Blues e do Jazz.
Joana e eu tínhamos um plano: "quando crescermos vamos abrir uma livraria com um café. E uma loja de discos". Já tínhamos imaginado tudo: disposição dos livros, dos discos e como seria o nosso café. Infelizmente, a livraria nunca saiu da nossa imaginação para o mundo concreto porque minha sócia fez suas malas, juntou seus discos e foi embora para a cidade do Porto, em Portugal, morar com seus países e recuperar suas raízes lusitanas. Mas não sem antes preparar 4 fitas K7 de despedida para mim, que receberam os seguintes títulos I know it's only rock 'n roll, but I like it (fitas 1 e 2), Os ricos também choram (com as músicas mais sofridas do universo do rock) e More and better blues (título de um filme de Spike Lee) com, é óbvio, o melhor do blues. O tempo foi passando, as cartas foram rareando e nunca mais tive notícias da Joana. Suas fitas ainda estão comigo, embora, após 14 anos, estejam quase inaudíveis. Mas o que teria sido se a Jô tivesse ficado no Brasil e tivessemos aberto nossa livraria? Entrar na livraria com o café me faz lembrar da minha grande e saudosa amiga e imaginar se teríamos concretizado nosso sonho.

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